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Frustração Infantil

Como ensinar e ajudar as crianças a lidar com frustrações.


Entrevista concedida para matéria veiculada na revista Weekend Guarulhos, ano 7, n. 336, p. 28-31, jun.2016


“O sentimento de frustração se considerado como a negação de uma satisfação pode ser experimentado mesmo antes do nascimento.”

A partir de qual mês de vida (nesse caso bebê) ou idade a criança já sabe o que é o sentimento da frustração?

Estudos recentes revelam que desde o ambiente intrauterino, estão presentes sensações de prazer e desconforto decorrentes das satisfações de nossas necessidades e que fazem parte do desenvolvimento de nossa vida emocional. A partir do terceiro trimestre de gestação o feto já é capaz de perceber as alterações no meio e estas lhe causam reações físicas (como o aumento dos batimentos cardíacos) e provocam repostas através de comportamentos (como chutes e mudanças de posição) que são relacionados com calma, incômodo ou excitação, mas que ainda não sejam apontadas propriamente como sentimentos.

Nos primeiros meses de vida, o bebe tende simplesmente a reagir através do choro a percepção de fome, sede, cansaço, afeto e dor. Por volta dos 3 meses conseguem demonstrar alegria e tristeza e, à medida que crescem, vão entrando em contato com novas emoções que vivenciam. Mas, somente após os 2 anos passam a reconhecer alguns sentimentos básicos como a raiva, tristeza, alegria e medo e nomeá-los.


Por faixa-etária, dá para identificar quais são as frustrações mais comuns na fase infantil? A partir de qual idade a criança deixa de ver as coisas apenas pela sua perspectiva e consegue se colocar no lugar do outro? E qual a importância dessa transformação?

Este período dos 2 aos 4 anos, é considerado a fase egocêntrica em que a criança se vê como o centro de tudo que acontece ao seu redor e acredita que todos pensam como ela. Diante de uma situação em que algo lhe é negado ou é impedida de fazer o que deseja, por ainda não ser capaz de compreender seus sentimentos e lidar com eles, tende a demonstrar sua insatisfação por meio da “birra”.

Entre os 4 e 6 anos começa a tomar consciência das vontades alheias e vai diminuindo o egocentrismo. Por volta dos 5 anos consegue se colocar no lugar do outro, aceitar os motivos das outras pessoas e mostra-se mais empática e cooperativa. Ao entender o que sente e observar esses sentimentos nos outros se tornará mais tolerante as frustrações e apta a controlar seus impulsos, resolver conflitos e regular emoções a fim de alcançar os objetivos. A tolerância às frustrações que a criança enfrenta ao longo da vida também está relacionada com sua capacidade de autocontrole diante do contato com essa emoção.



Embora, situações como a proibição de pegar um objeto, os adultos não entenderem o que está pedindo, a negação em comprar um brinquedo, o primeiro desentendimento com um coleguinha, não conseguir vencer um jogo e a preocupação com o desempeno escolar, ocorram frequentemente ao longo do crescimento e sejam potencialmente causadoras de frustração, não é possível determinar com certeza decepções específicas por faixa etária. Certamente, as caraterísticas intelectuais e emocionais específicas presentes nas fases do desenvolvimento infantil, podem interferir na maneira como ela vivencia e lida diferentemente com o que ocorre, capacitando-a a suportá-las com maior ou menor habilidade. Mas, ainda assim, superar as adversidades está muito mais ligado a competência individual desenvolvida do que as possíveis experiências desagradáveis comuns que podem ocorrer ao longo da vida.


É comum vermos os pais se esforçando para proteger seus filhos e, às vezes, até com grande exagero, isso atrapalha eles a lidarem com as frustrações ou não? Caso prejudique, explique as razões. De que forma não deixar a criança enfrentar suas frustrações pode prejudica-la na vida adulta?

Faz parte do nosso papel ao educar filhos, ensiná-los a perceber e reagir, de maneira apropriada a todos os tipos de emoções que sintam até que sejam capazes por si só de avaliar as circunstâncias, pensar com independência e tomar decisões ponderadas.

Muitas vezes, na tentativa de resguardar os filhos de possíveis decepções ou fracassos, os pais buscam atender todos os seus pedidos ou fazer as coisas por eles. Porém, esta intervenção quando excessiva pode fazer com que a criança não vivencie a frustração natural que deve ocorrer a todos e não aprenda a lidar com os diversos desapontamentos que enfrentará ao longo da vida.

Essa atitude não reflete a realidade do mundo que nossos filhos vão encontrar e não saberão reagir adequadamente quando, por exemplo não forem convidados para o aniversário de um amigo, não fizerem um gol no jogo de futebol ou não tirarem a nota que esperavam naquela prova. Permitir que a criança vivencie gradativamente circunstâncias desagradáveis, típicas de sua idade, irá prepará-la para enfrentar dificuldades no futuro. É importante ter contato com pequenas impossibilidades para tornar-se apto a lidar com as maiores depois como o término de um relacionamento na adolescência, a disputa por uma vaga na faculdade e até a busca do primeiro emprego.

Quando se diz que as crianças precisam aprender a tolerar a frustração, muitas vezes, os pais podem entender que a orientação é deixa-las chorando ou inconsoláveis. Entretanto, não é bem disso. Trata-se de acompanhar nossos filhos enquanto passam por momentos em que se sintam frustrados e oferecer nosso apoio e afeto para que aprendam a gerenciá-los e compreendam que as decepções fazem parte da vida e podem ser superadas. Devemos ajudá-los e ficar por perto, mas sem manipular as experiências desagradáveis pois tentar poupá-los só vai atrapalhar.

Algumas vezes, os pais confundem felicidade com satisfação de desejos e protegem demasiadamente, impedindo que os filhos tenham as experiências necessárias para tornarem-se adultos emocionalmente equilibrados. Nesses casos, a criança não aprende a entender o que está sentindo, nem o que fazer para voltar a se sentir bem depois desse incômodo, que são habilidades essenciais do autocontrole. Sem essas pequenas doses de frustração eles terão dificuldade em transpor os obstáculos e os problemas sem se deixar abater. Se não mostrarmos, com incentivo e amparo, que estes acontecimentos são apenas um dos muitos desafios que ele vai enfrentar podem não se sentirem seguros para traçar metas e alcançar seus objetivos sem desistir no caminho.


De que forma os pais podem estimular a autoconfiança dos filhos?

Podemos estimular a autoconfiança das crianças confortando-as e prestando o apoio necessário quando precisarem, mas sem assumir o problema por elas. Precisamos demonstrar confiança em sua capacidade de resolver as adversidades e dar espaço para que enfrentem as dificuldades e encontrem as próprias saídas. Ao cuidar mais e intervir menos eles adquirem independência emocional e conseguem aproveitar as oportunidades que se apresentam de administrar pequenos descontentamentos e sentirem-se prontos para tolerá-los. Assim, passam a se valorizar mais, aumentam sua autoestima, experimentam mais e buscam o próprio progresso.

Quando demonstramos que reconhecemos e respeitamos seus sentimentos através de palavras de conforto e um abraço, oferecendo apenas amparo e aconchego ao invés de repostas, eles acreditam na própria capacidade de resolver problemas e sentem-se seguros em tentar agir, solicitando ajuda somente caso precisem. Ao negar o brinquedo que a criança pediu durante o passeio ajuda dizer: “eu entendo que você ficou triste por isso. É mesmo chato quando não ganhamos o que queremos”. Dar nome ao seu desconforto e mostrar que compreende ajuda a sair da confusão emocional em que se encontra e acalma. Podemos ainda, auxiliá-la sugerindo uma alternativa ou ajudando-a a descobrir algumas para que consiga reagir bem. Propor: “Hoje não é dia de ganhar presente, mas podemos ir tomar um sorvete ou apostar uma corrida até o carro”. Não é uma tática de distrair a criança para que ela não perceba que seu desejo não será atendido, mas um jeito de ensiná-la a administrar as contrariedades ao demonstrar que apesar de não ter o que queria, ainda pode se divertir.

Aponte e dê opções como que fruta comer, roupas para usar ou qual história ler para lhe dar mais controle sobre as decisões e acostumar-se a fazer escolhas habituando-se a ideia de que para ter uma coisa, perde-se outra. Porém, as possibilidades devem ser compatíveis a idade da criança e adequadas à ocasião. Deve ficar claro que sobre determinados aspectos, como ir ao médico ou fazer a lição de casa, não há negociação. Então, não precisamos perguntar quando há apenas uma coisa a fazer, mas podemos preparar a criança avisando que elas terão mais 5 minutos brincando com o amigo antes de ir embora. Todos os obstáculos serão superados com mais tranquilidade se a criança souber administrar o que sente e pensa não só com a cabeça, mas também com o coração

Ensinar nossos filhos a nomearem o que sentem, ajuda-os a transformar a sensação que é incômoda e assustadora por não a entenderem, em algo conhecido, e assim, a raiva, a tristeza e o medo tornam-se coisas simples do dia-a-dia e fáceis de lidar.

A maneira como os próprios pais reagem ao se sentirem frutados, bem como o modo de demonstrarem o que sentem e como se comportam ao ver o filho triste ou magoado servem para eles como um modelo de comportamento para lidar com a sua própria insatisfação.

Não precisamos ter medo de ver nossos filhos frustrados e querer poupá-los, pois a frustração vai torna-los persistentes, gerar consciência do esforço necessário para a resolução de problemas, fortalecer sua autoestima e ensiná-los a seguir em frente como adultos saudáveis, equilibrados e felizes.

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