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A adolescência segundo a visão Sistêmica

Um breve panorama da adolescência segundo o olhar da psicologia sistêmica.

Será apontado o embasamento teórico no qual fundamenta o conceito, as principais caraterísticas e traços representativos desta fase a partir de seu olhar, bem como o papel que exerce nos processos de desenvolvimento, os alicerces que sustentam a maneira como trabalha com o tema e os aspectos que considera influenciar a maneira como transcorre esse período.


“O foco neste paradigma não é o indivíduo proprietário de seus sintomas e dificuldades, mas o indivíduo entendido num contexto amplo em suas interações” (MACEDO,1998, p.156).

Dentro das abordagens da psicologia encontramos, algumas vezes, distinções sobre determinados conceitos e princípios que, embora comuns, são embasados em fundamentações específicas de cada linha teórica. Um destes temas é a adolescência.

O objetivo deste texto é apresentar a perspectiva da teoria sistêmica a respeito da adolescência, apontando as considerações e parâmetros que influenciam o desenvolvimento do manejo e prática clínica de casos desta natureza.

Não se pretende abordar na totalidade os pressupostos que embasam essa teoria, bem como as especificidades adotadas durante os processos de atendimento, mas oferecer uma possibilidade de compreensão de como se configura a visão do assunto à luz desta perspectiva.


A adolescência pela perspectiva sistêmica


A perspectiva sistêmica com um olhar que valoriza as relações e seus efeitos nos sistemas se apoia nos conceitos e dimensões da adolescência apontadas pela teoria do desenvolvimento no que se refere as alterações físicas e biológicas e mantém a atenção no impacto exercido nos círculos nos quais o adolescente está inserido. A relevância está nas consequências causadas pela metamorfose a que o adolescente é submetido, nos seus padrões de convívio e interação e na repercussão dela nos grupos em que é participante. A ênfase é dirigida ao estilo de convivência e o modo de atuação, considerando o momento histórico e o ambiente. Os acontecimentos são contemplados com os efeitos do cenário que o envolve.

As conexões e relações possuem destaque em detrimento aos aspectos individuais, pois a interação entre os membros seja de famílias ou grupos incide de um sobre todos, com efeitos que atuam reciprocamente. Uma mudança em um indivíduo exerce impacto em todo o sistema, uma vez que as coisas se conectam e estão em relação em uma cadeia circular que retroalimenta e mantém o sistema.

A adolescência, essencial para a evolução do indivíduo, é uma das etapas do desenvolvimento que configura mudanças intensas nos sistemas biológicos, psicológicos e sociais. Representa o período de transição da infância para a idade adulta, evoluindo da necessidade de cuidado e acompanhamento para a aquisição de autonomia pessoal (SILVA & MATTOS, 2004 apud Pratta & Santos, 2007).

Um momento em que o jovem tenta delinear qual perfil de adulto pretende ter e consolida seu caráter, a partir da experimentação de comportamentos, valores, interesses e opiniões. Como cada membro é moldado pelo padrão familiar e contribui para moldá-lo, a cisão emocional com as pessoas que são seus maiores provedores afetivos é necessária para sua individuação e descoberta da própria identidade (ROSSET, 2009).

O decurso do amadurecimento biopsicossocial é permeado por influências sociais e culturais e, neste sentido, pode apresentar alguns traços diferentes, como a idade de início e encerramento ou as atitudes associadas, baseados em fatores do ambiente sócio cultural e econômico ao qual o indivíduo pertence (KALINA, 1999 apud Pratta & Santos, 2007). O próprio conceito e atenção dedicados ao assunto possuem uma dimensão sócio histórica e se consolidou na cultura contemporânea, de certo modo, apenas recentemente, no século XX (BOSSA, 1998).

Enquanto etapa do crescimento, seu início se dá na puberdade, com alterações biológicas que influem visivelmente em aspectos físicos e se consolida nas dimensões psicológicas e sociais que completam este ciclo. Identifica-se primeiramente o amadurecimento dos órgãos sexuais, a operação do sistema endócrino na ativação do aparelho reprodutor, as glândulas se ativarem na modificação da produção hormonal e os estímulos que provocam o aumento dos pelos, as variações na voz, o redimensionamento dos contornos corporais e transpiração, por exemplo.

São constatadas mudanças na forma de perceber e se posicionar no mundo que trazem uma outra forma de pensamento, de identificação, de resolver conflitos, de compreender situações, de aliviar suas tensões, de se relacionar, de raciocinar, de avaliar e planejar o futuro, de administrar suas emoções e de reagir frente aos estímulos.

Outras características frequentemente presentes são: instabilidades e modificações emocionais e de humor, questionamento e afirmação de valores, momentos de insegurança, angústia, sentimento de incompreensão, impulsividade, comportamento desafiador e de risco, consideração do ponto de vista dos pares e rejeição dos provenientes de ascendentes e demais figuras de autoridade, busca de autonomia e autoafirmação, construção de ideais próprios, possibilidade de maior introspecção, certo grau de egocentrismo e propensão a anulação das necessidades alheias, tentativa de alivio das tensões pela agressividade, postura contestadora e desafiadora, entre outros.

O fator social exerce uma forte influência neste estágio pois, há uma busca pela associação com membros que considera iguais para sentir-se inserido, compreendido, reconhecido e fortalecido, em contraposição a rejeição e repúdio a participação em outros nos quais não se sente validado. Essas modificações influenciam nos comportamentos e relacionamentos, refletindo em sua natureza e potencializando o surgimento de conflitos e/ou dificuldades. Embora não acometam a totalidade dos indivíduos neste processo, as crises geradas são parte importante, podendo contribuir positivamente para o desenvolvimento psicológico (DRUMMOND & DRUMMOND FILHO, 1998 apud Pratta & Santos, 2007).

Os efeitos acarretados pelos fatores ambientais são bastante significativos, pois tanto o cenário sociocultural, quanto as características psicológicas do adolescente e de sua família oferecem recursos e empecilhos que servem como fonte de benefícios ou malefícios ao seu desenvolvimento. Em espaços como a escola e a comunidade, o adolescente pode se envolver em grupos e absorver ideias que estimulam a transgressão. E o meio familiar, presente desde o início da formação, tem um importante papel no acúmulo anterior de instrumentos pessoais que auxiliem o enfrentamento dos desafios deste período, bem como no fornecimento do suporte necessário para transpô-lo.

Conforme afirma Rosset, “acreditar que os lances de relacionamento são circulares, são codesencadeadores e que o comportamento de um desencadeia e mantém o comportamento do outro, ou o contrário, abre possibilidades de compreensão” (2009, p.266). Contribui para ater-se a proposta relacional e a atuação volta-se para a busca de alternativas e melhorias no funcionamento.

As novas atitudes, posturas e reações do adolescente promovem a necessidade de reorganização e adaptação de todos os sistemas dos quais faz parte, afetando seus membros. Os relacionamentos que estavam configurados para o convívio com uma criança precisam migrar para absorver este membro renovado pois, os recursos habituais existentes não são mais adequados para atender a atual configuração e torna-se necessário a aquisição e construção de outras ferramentas para restaurar o funcionamento apropriado.

A família representa um sistema diferenciado dos demais que o jovem participa pela restrita ligação emocional, laços especiais e história comum que os membros detêm. Embora as regras estabelecidas ajustem o funcionamento do sistema familiar e sirvam como parâmetro para suas interações, mantendo o controle e evitando distúrbios que perturbem seu modo operante, ele é capaz de manter-se mesmo fora de equilíbrio e recriar-se.

À medida que o jovem atravessa essa experiência seu sistema familiar também se transfigura para atender as exigências surgidas. Diante das expectativas e demandas acarretadas, a estabilidade é desafiada e requerer uma reformulação em sua estrutura e organização, fazendo emergir uma nova fase no Ciclo Vital denominada família adolescente (CARTER, MC GOLDRICK, 1989 apud Macedo, 1998).

Sob o prisma do pensamento sistêmico da família, o conceito de ciclo de vida familiar é bastante relevante para apreender as adversidades decorrentes das transições do ciclo de vida individual, uma vez que, padrões de interação se estabelecem e se repetem. Cada estágio que a família vivencia acarreta mudanças no sistema e gera um movimento emocional de transição. Novas maneiras de se relacionar e comunicar precisam ser adotadas na convivência para que os contornos das fronteiras familiares até então estabelecidas, se adequem.


Considerações finais


Sendo assim, segundo esta abordagem, o primordial está em considerar o adolescente e todo o seu contingente conforme propõe Macedo “o jovem e seu mundo, uma vez que a proposta envolve uma mudança de ênfase quanto ao foco de estudo, bem como de paradigma. Assim, ao invés de abordar as relações lineares de causa e efeito, explicadas em termos de antecedente-consequente, procura-se buscar os padrões complexos de interação que circulam naqueles grupos dos quais o adolescente é participante” (1998, p.156).

Este posicionamento possibilita o enfoque no que emerge nos contatos e uma atuação que não se fixa em diagnóstico, patologia, culpabilização e cura, mas em uma oferta de suporte no processo de ressignificação do que está sendo vivenciado ou, mesmo do como se está vivenciando.

Mais do que buscar explicações, apontar culpados e corrigir falhas, a atenção a fase de vida em que o cliente se encontra fornece elementos complementares a contextualização dos tipos de vivências e relações que podem estar experienciando no momento. Isso auxilia na tarefa de apoiá-lo a conhecer e reconhecer seus padrões de funcionamento, a desenvolver as potencialidades adequadas para lidar com eles e a sentir-se empoderado para promover as mudanças que forem pertinentes.


Referências


BOSSA, N.A. O normal e o patológico na adolescência. In: BOSSA, N.A.; OLIVEIRA, V.B. (org.). Avaliação psicopedagógica do adolescente. 5ᵃ ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p. 211-285.


MACEDO, R.M.S. O jovem e seu mundo: escola e família. In: BOSSA, N.A.; OLIVEIRA, V.B. (org.). Avaliação psicopedagógica do adolescente. 5ᵃ ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p. 154-189.


PRATTA, E.M.M.; SANTOS, M.A. Família e adolescência: a influência do contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em Estudo, Maringá, vol.12, n.2, p.247-256, mai/ago. 2007.


ROSSET, S.M. Família com adolescentes. In: OSORIO, L.C.; VALLE, M.E.P. (org.). Manual de terapia familiar. 1ᵃ ed. Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 255-283.

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